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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Antisséptico: o tempo é mercúrio-cromo


         Estava a esperar que o tempo lavasse a sua alma e matasse a dor como lava um antisséptico às feridas. Há muito ouvira falar que o tempo cura todas as feridas, logo, agarrou-se a isso com todas as forças, afinal não tinha noção do que poderia fazer. Esperar era dos males o menor.
         Seu vício eram os jogos, Einstein havia dito que Deus não joga dados, mas não tinha certeza da existência de algum deus, aprendera que não se deve tomar nada como verdade absoluta, então, jogava dados com Deus. Também não tinha certeza da existência da sorte, brincava com ela do mesmo jeito. Ter o controle é sobremaneira irresistível e isso sabia bem como fazer, por que ter medo de perder um jogo contra um deus sem ao menos saber se ele existe?
         Fato é que um deus (ou mesmo sorte) não precisa existir para que as desventuras venham a passar por meio de seu caminho. E se Deus existe, o diabo também existe. E se sorte existe, o azar existe também, já que ambos partem do mesmo princípio básico. E culpando todos ou culpando nenhum, por mera desventura (se é que isso também existe), acabou perdendo o jogo e, por conseguinte, o controle. Ah, o chão, nada melhor do que saber onde se pisa, quando se perde o controle o seu chão some, aí sim você aprende o que é gravidade. Adeus ao chão, a gravidade te puxa para o centro da Terra, cai-se e machuca-se feio, hora de tratar as feridas. As feridas precisam ser bem lavadas e bem tratadas com um bom antisséptico que impeça a proliferação dos micro-organismos etc e tal. O tempo cura todas as feridas. O tempo é mercúrio-cromo.
         Há algum tempo atrás o mercúrio-cromo era utilizado como antisséptico, depois foi descoberto que o mesmo não fazia muito bem às pessoas, porém quando isso aconteceu muitas pessoas já o haviam usado muitas vezes e por algum tempo. E estava a esperar que o tempo lavasse a sua alma e matasse a dor como lava um antisséptico às feridas. Esperou por muito tempo e nada de cura para suas feridas, o tempo é mercúrio-cromo, tão usado para curar feridas que não saram, esperar que o tempo te cure não faz bem. Espera-se, espera-se, espera-se e quando se percebe já se passou muito tempo. O tempo é infinito só enquanto durar, não temos tempo para perder tempo.
         Sendo assim, quando se machucar use merthiolate.



“Por que o tempo é mercúrio-cromo e tempo é tudo que somos.”  

Um comentário:

Causticidade Cotidiana disse...

Perdoe-me pela demora para comentar, Marina, ando meio ausente de tudo rs
É fato, porém fato que passa despercebido, que quando se acredita numa divindade, e coloca toda a sua fé nela, haverá, por contra-partida e OBRIGAÇÃO, acreditar em seu oposto. Vejo pessoas que menosprezam a existência de Deus enquanto amam o Diabo e vice-versa. Ambos partem do mesmo contexto, então é impossível crer em um e alegar inexistência do outro. Não entrando em questões religiosas, o mesmo acontece com a sorte e o azar.
Nunca fui de crer que o tempo cura tudo. Ele faz o simples, que é cicatrizar, mas a cicatriz é a marca, ela é eterna, permanente. É a tatuagem natural. Sempre que a olharmos, nos lembraremos daquilo que a originou, e isso não é curar, mas sim amenizar. Partimos do exemplo da ferida, mas há tantos outros que nos servem e nos provam que o tempo não cura. Bom, ao meu ver, o tempo não cura.
Outro fato é que, a cada vez que passo aqui, concluo que continua escrevendo incrivelmente bem, além, é claro, de tirar muitas lições.
Incrível, Marina!

Beijos!

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