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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Lucifer

      E era chegada a hora. O deus Anúbis, o chacal, tinha o seu coração nas mãos. Estava desesperada, guardava o conhecimento de que seu coração era extremamente pesado. O medo a dominava e uma única palavra estava querendo saltar de sua boca, mesmo que ela acreditasse que qualquer palavra não faria efeito algum. Tudo parecia estar em câmera lenta, embora o tempo passasse normalmente. Entretanto os segundos estavam tão pesados quanto o seu peito vazio. Uma balança. Em um dos pratos a pena da verdade de Maat, no outro a espera de um coração, que estava cada vez mais perto.
      “Misericórdia!”. A palavra finalmente fugiu de seus lábios, rápida e feroz. E Anúbis, que estava pronto para pesar aquele coração, parou. Surpreso e intrigado com a reação dela, perguntou: “Por quê?”. Não houve resposta, o olhar dela estava direcionado ao chão. Aproximou-se dela o deus com cabeça de chacal, deixou a balança de lado, o coração dela em uma das mãos. Com a mão que estava livre levantou o queixo daquela que estava na sua frente e deixou que a luz cegante dos olhos dela penetrasse os seus. Inebriado, indagou: “Como caíste do céu, ó Lucifer, tu que ao ponto do dia parecias tão brilhante?”.
      Lucifer é o seu nome. Astro do dia, Vênus, Estrela d’Alva, estrela da manhã. Um único ser, algumas denominações. “A mente”, Lucifer respondeu à pergunta de Anúbis. “A mente?”, o chacal não compreendia o que Vênus queria dizer com aquilo. “Se caí é por causa da mente, que como a luz, possui comportamento dual. Sim, pois a mente é a tentadora e ao mesmo tempo a redentora interna de cada um de nós.”, Lucifer explicou. E ele: “Por que devo ter compaixão por ti, se tu mesmo assumiste que foste dominada por tua mente? Quão fraca és!”, ao passo que ela disse: “Perdoe-me, mas não se trata de fraqueza. Alguns são tomados pela razão, outros pela emoção. Eu apenas não me encaixo em nenhum dos lados. Se há algo que me toma é o que é animal, o que é instintivo, a realização dos desejos e vontades mais secretos.”
      - Seu coração – ele disse.
      - Como? – ela perguntou confusa.
      - A condição para eu não levar a sua alma.
      - É o que tu queres? Meu coração em troca da minha alma?
      - Isso. Apenas isso.
      - Você já o tem nas mãos mesmo. Eu aceito.
      Anúbis se voltou em direção à balança. Colocou o coração de Lucifer no prato vazio. A balança não se moveu, a pena da verdade e o coração possuíam o mesmo peso. Era inocente, sempre fora. O medo da condenação sempre foi em vão, simplesmente por não ser errado deixar-se levar pelos instintos. Simplesmente porque desejar não é errado, independente do que se deseja.    

3 comentários:

Observateur... disse...

Anúbis com Lúcifer, vem da mitologia egípcia? Eu diria que um texto enigmático, que não quer dizer aquilo que aparenta... Tem algo por trás...

Causticidade Cotidiana disse...

O texto começou já chamando minha atenção pelo título. Nada relacionado a satanismo nem nada, mas tudo aquilo que envolve um contexto enigmático (como é com Lucifer) me prende a atenção. Minha atenção ficou ainda maior quando citou Anúbis. Sou viciado em mitologia, e a mescla da mitologia egípcia com a personagem da bíblia ficou excelente!
Confesso que senti um certo mistério no clima do texto. Digamos que, algo subliminar talvez. Interessante
Essa passagem me encantou muito: !Se há algo que me toma é o que é animal, o que é instintivo, a realização dos desejos e vontades mais secretos.”

PERFEITO, Marina!
Beijos!!

Um brasileiro disse...

OI MENINA. TUDO BLZ? ESTIVE POR AQUI E ACHEI MUITO INTERESSANTE. GOSTEI. APAREÇA POR LA. BEIJOS E ABRAÇOS.

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